O vaievém desenfreado de carrinhos que entram e saem dos mercados da Ceasa Campinas faz parte da rotina de Eudilio Cotrim há 24 anos. Odilon, como é mais conhecido, é um dos mais de 300 carregadores autônomos que trabalham diariamente na central de abastecimento e ajudam a movimentar milhões de toneladas de hortifrútis. Mas o carrinho de Odilon carrega algo mais que frutas, legumes e verduras: ele leva também o sonho do carregador de publicar seu primeiro livro.
Aos 51 anos, o Odilon carregador decidiu que o Odilon escritor deveria enfim desembarcar do mundo dos sonhos. No ano passado, tirou da gaveta os originais de seu primeiro romance, intitulado “Coração negro”, e partiu para a Bienal do Livro, em São Paulo, atrás de uma editora. Após perambular pelos inúmeros estandes, conseguiu chamar a atenção de um pequeno editor, que leu as mais de 200 páginas escritas em computador e se interessou em publicar a obra.
ara Odilon, foi uma surpresa e um grande impacto. Cético, ainda questiona: “Caramba, será que o que eu escrevi tem mesmo importância?”. Afinal, para quem estudou só até a oitava série do Ensino Fundamental, foi abandonado pela mãe e enfrentou a pobreza extrema na infância é compreensível a dificuldade de se enxergar no mundo da literatura.
Além disso, Odilon nunca frequentou bibliotecas e tem dificuldades para reter informações. “Não guardo nada do que leio, por exemplo. Mas as minhas histórias eu guardo e depois escrevo”, explica.
Odilon conta que começou escrevendo poemas, aos 20 anos de idade. Uma professora de português deu apoio, corrigiu as primeiras poesias e a vida seguiu. Inicialmente, escrevia à mão. Depois, passou para a velha máquina de escrever e, hoje, escreve no computador e até no celular. Às vezes, compulsivamente. Também já fez histórias infantis, inspirado pelo nascimento dos dois filhos.
Ele não sabe explicar ao certo de onde vem a vontade de escrever. Talvez das próprias dificuldades por que passou na vida, que contribuíram, segundo Odilon, para formar o “conteúdo” de seus escritos.
“’Coração negro’ é um título forte”, admite. A trama mistura vários temas atuais, como migração, religião, racismo, fome, preconceito e transplante de órgãos. “É uma história bem atual. Se passa totalmente no Brasil e é escrita na terceira pessoa. Foi o editor que me disse isso. Tem de três a quatro personagens centrais. As pessoas que já leram gostaram da história”, conta o autor.
Apoio
Agora ele busca apoio para conseguir os recursos financeiros para bancar a publicação. Ainda não sabe de quanto irá precisar. Mas Odilon continua alimentando o sonho de ver seu primeiro romance na prateleira de uma livraria. E quem quiser ajudar a dar um empurrãozinho nesse carrinho pode entrar em contato com o carregador-escritor pelos telefones (19) 99838-2424 e (19) 3854-1966.